sábado, 12 de maio de 2012

Não me pagues por hora

Eu trabalho por empreita
Não venhas botar preço em minha hora,
pois sou inteira e única.
Até camuflada
no meio da multidão
em farrapos de guerra,
ninguém me paga por hora.
Pois lavo, passo, cozinho,
organizo, faço versos e bordo.

Bordo sonhos.
Fio por fio,
vidrilho por vidrilho.
Tem tantas ruas em minhas linhas,
quantos castelos em minhas pedras.
Tantas janelas de vidro
quantas eu possa olhar além delas,
quantas eu possa quebrar.
Tantas portas de aço
quantas eu possa abrir e passar.

Assim, não queiras comprar minha hora,
pois ela é tecida com fio de Ariadne,
e benzida com a água da vida e a água da morte.
Quem arrancou sete cabeças, sete bocarras,
sete línguas, quatorze olhos e quatorze ventas,
cospe fogo do dragão se há tormenta.
Quem foi até os confins do mundo,
roeu três biscoitos de ferro, gastou três cajados de ferro, consumiu três botas de ferro,
com Pássaro de fogo se casou.
Quem no Hades entrou e não morreu,
comungou com Plutão e transcendeu.
Não se vende.
Por isso não vendo horas,
construo ruas, casas, castelos,
cidades inteiras e histórias.
Não me pagues por hora.