segunda-feira, 23 de novembro de 2015

O vento
que assopra
minhas veias
depois
que você vem
é a paz
de toda a eternidade
abençoando
meu corpo
este silêncio
não é branco
é tenso
este silêncio
não é mudo
me tem toda
este silêncio
não é surdo
é um eco

este silêncio
é um absurdo
porque fala demais

este silêncio me maltrata
este silêncio prende meu abraço
no tempo
este silêncio é um precipício
entre dois continentes
vizinhos e amigos
este silêncio é uma sombra
todo este medo
que tenho do infinito
de pular no abismo
e de ser mais que só isso
crescem-me asas
nas costas
e isso dói.
meus ossos
se mudaram

a coluna se apruma

no breu do Universo
ermo

espero e seguro
meu rosto
nas mãos
meu ventre
inundado
de pavor
se desabita

meus olhos
vomitam
em minhas mãos
o que não podem ver
os monstros
todos me carregam
num rito
a contragosto

hades me persegue
me dá de comer disfarçado
e diz que é bom, e é bom?

minhas asinhas frágeis
estou na floresta
e ela:
VAI ME ENGOLIR INTEIRA

eu sou só uma garota

eu sou somente uma garota
a cidade está em guerra
cresçam sem demora

chove fora de casa
os bichos vem beber água
na minha boca
em cima da árvore
as folhas respingam

no breu, dentro de mim
eles nadam, eles vivem
meu camafeu, o salve
não sei nadar

se vire
estou velha
mas eu quero
eu vou
minhas asas

doem

ser livre
ser fera
mas eu espero
eu dou
minha jaula

voem

se aprume
a centelha
é sincera
eu voo
minha casa
e meu ventre
kamikaze
se desintegra
ao existir
eu caminho
eu teço
eu toco

eu nado
eu vou
eu faço

me caminho
me teço
me toco

me nado
me vou
me faço

me firo
me curo
me mato

eu firo
eu curo
eu mato

sou uma fogueira
ambulante

provoco incêndios,
avalanches

sou uma cachoeira
constante

curandeira de mágoas,
sou os instantes

não me olhe, pois,
com este olhar lânguido
de depois

porque a vida, ora,
esta fera louca,
me devora
com a sua boca.

E é agora,
ou nunca.
firo, curo, mato,
ando, faço, teço,
quero, nado, aconteço,
vou, vôo, toco, amanheço
e mais: não tem esta
de tanto faz
e que os lírios todos
me desculpem.







segunda-feira, 16 de novembro de 2015

porque existir

é apenas
ter um corpo
e é muito
e é tudo


me falta
este instante
me mata

e de tão mínima
minha existência
ficou inexistente
o desorizonte entra pelo meu olho
impregnando minhas células
com o cheiro desbotado dos crisântemos

já passou das seis
nenhum cisco no vento
nenhum pássaro indo
nem sino bento
bateu.

perdi minha alma ao meio dia
não pela ausência de sombra
mais por não ter olhos nem bico
que a escuridão me engoliu no pico
da luz estonteante no meio do céu.

não como dragão que faz alarde
labaredas, cabeças, cauda, asas.
mas como serpente
sem casa, fumaça, metade da metade.

agora encerra
serpente linda
essa falta de linha
descerra a porta
do além

quem sabe
lá sou mais
aquém
mais eu
ou mais
alguém

ou quem sabe eu toque com minha tez o horizonte
e o troque de lugar
brincando com o desenho do mundo
quem sabe eu voe

e o deus que mora em minha casa
abra a janela
e sorria para mim
no verão
com perfume de jasmim

o Tédio
com tê maiúsculo
a um fósforo de
distância
do Tesão

minúsculo

o Tédio
com tê maiúsculo
a um fósforo de
distância
do Tesão

terça-feira, 29 de setembro de 2015

quieta aqui
no canto do quarto

ínfima

quase

desapareço

pelo vão

da porta

me deixe


aqui


quieta no canto do quarto
hoje não quero
falar de crases e hiatos
quero meu colo
viver minha dor de fato

me deixe
quero estar assim estilhaçada
me deixe
me ver refletida em cada pedaço

quero minha dor sem tato
lá no canto do meu colo
ser pequena em meu quarto
nenhuma alegria fake
nenhum remake de fato

quero apertar a dor
e saber que neste agora
ela sou eu inteira

e mesmo enquanto me desfaço
ter certeza de inteira
aperreio no meu peito
sem deleite sem esmalte
sou desmanche sou garrancho sou desfalque
e eu quero viver e saber que me desfaço
quieta neste desmanche
no canto ínfimo do quarto

hoje eu não quero
dançar sorrir mentir
falar de crases e hiatos
quero o canto do meu colo
sentir minha dor de fato

me deixe
quero estar assim
e me ver estilhaçada em cada pedaço
quero o canto do meu colo
ser pequena em meu quarto
nenhuma alegria fake
nenhum remake de fato

porque só estando assim
inteira de desmanche
com esta dor tão grande
vai nascer em minhas costas
de gota, sem avalanche
asas de dragão gigante

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Venta



na areia ríspida do deserto.




te perdi,
me perdi
te pedi
perdão
de pé
te prendi
e aprendi

a ir

O tempo vai comendo
as bordas e deixando
o centro

Com custo
ferrugem

come.
Até a cura, dói.

Sem custo
a água
come.
Demora, mas vai.


Depois do susto
seremos pós
seremos mais
sem custo
seremos sãos
seremos tais.

A água só rememora
e vai.
O tempo só apavora,
mas zais
um dia cai.


A água só rememora
e vai.
O tempo só apavora,
mais ais
ou menos ais
mas ele cai.



eu não perco
tempo, o tempo
que me perde

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

E de novo eu aqui
com uma vela acesa
entre os dois peitos
porque não tem
luz elétrica na roça

tem só poço
e como pode
do fundo obscuro
sair uma água tão pura?

Nem ligo para a vela
pro escuro da espera
pros bichos do mato
ciscando na imensidão do silêncio
deixo todos eles me pegarem
me carregando deitada
nas mãos
como formiguinhas transportando cuidadosamente
uma folha leve e entregue àquelas mãos

carregada deitada
nas costas do chimpanzé
no lombo do lobo
na boca do jacaré
eles me levam eles me pegam
eles me comem e eu só vou
indo de mão à corpo de boca
ao ventre de ventre ao rio
tão rente à morte

sem me convencer de nada
indo com oxum
sem vencer nada
indo
sem nada
pela água
do poço

sem nenhuma certeza
só com certa sensação
de ir certa com a correnteza