domingo, 28 de novembro de 2010

Todo dia regava.
Era de camurça, corpo e alma.
Me acarinhava, mas às vezes era à minha revelia.
Me alentava, me cuspia.
Eu regava.
Me derramava de prazer.
Me dilacerava.
Eu regava.
Passou um verão. Quase se foi, troquei de lugar, reviveu.
E um inverno também.
Eu regava.
Não sabia porque, mas continuava regando, como se aquela água caísse em mim e me nutrisse de alguma forma.
Coloquei para tomar sol. Saí de casa e me esqueci, era de camurça!!! Como pude esquecê-la?
Choveu.
Se foi.
É para sempre?
Era inverno. Plantei uma semente, nasceu outra flor no meu caderno. Assim se fez primavera. Mas eu quis que a flor caísse e as folhas também. Deixei só os galhos arranharem o branco caderno sem folhas. Espremeu meu coração. Plantei, então, novamente flores nos galhos. Fiquei toda ipê, vivia lilás de felicidade. Meu coração afrouxou, deixei entrar os passarinhos nele. Fizeram umas casas, vilas, até cidades. Me apeguei a minha pátria lilás. Os passarinhos se foram e a cidade ficou habitada pelo vento. Ouviam-se as conversas que trazia. Tinha até gente que palpitava: era fantasma. Era abandono mesmo. Lar desfeito, flor apagada com borracha, à revelia.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Arremedo
a falta do mundo moderno
estantes vazias
pássaros no inverno
meio fio bêbado
a noite
nem cúmplices, nem subalternos.
reis, não, réus.
aguardando sentença marcada, porrada
100 anos de solidão, onde moro, lá senão?
100 anos de pena vai pegar meu coração.
o seu também vai...isso também dói.
amor e dor, gêmeos
na terra, no céu
o amor é pleno
mundo moderno
descartável, já os filhos
eternos

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

eu fito o mar
eu me disperso
eu busco motivos
eu desço de mim
eu caio de mim
eu minto para mim

queria brincar de ser mar
pra transar com o céu
e ser tanto
e ser fluido
e transbordar
o mundo no mundo
no céu

quebro meu veleiro
disperso-me em motivos
fatos corriqueiros
me padecem

desfaço o mar
acendo uma vela
torturo-me em meu mar
rasgo as cartas
com as velas
bebo o mar
transo com as trevas
carrego um vidro de fel
em mim

abril 99

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Música: No Ventre da Mulher

Você não sabe o que carrega
no ventre uma mulher...

é um maremoto, é uma força, é um desatino
é a imensidão, é uma estrela, é o destino
é o ódio, é o amor, é a herança
é a paz, o equilíbrio, a esperança
é o eco, é uma voz, é o porvir
é a semente, o permanente, o ir e vir
são todas emoções, a voracidade, a proteção
a certeza, o caminho reto e a contradição

É por isso que você não pode
compreender uma mulher
porque no ventre ela carrega
um mundo inteiro, todo de uma vez.
um mundo inteiro, todo de uma vez.
um mundo inteiro todo de uma vez.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Samba

dançar para celebrar a vida
viver pra se conduzir à morte
na vida em que tudo é despedida
chora Sanfona Sentida
pois em ti derramo a minha sorte

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

tenho uma fúnebre curiosidade
disse que sentia saudade
te digo, no corpo-a-corpo se mata
te lembro: não precisa trazer a espada
agora que fui denunciada
na cela fria aguardo
a hora de ser julgada
agora que todos sabem
o que faço de madrugada

crescente

a bomba vai explodir
e vamos todos morrer
nesses minutos de espera
a vida passa a ser insignificante
porque o tempo dela já foi

domingo, 22 de agosto de 2010

do meu tamanho

outro dia
dormi no banheiro
não podia ser no quarto
era digno demais
mas levei
a coberta e o travesseiro

ser pequeno era qualidade
trouxe-me um tanto de alento
do tamanho da minha metade
me abarcava por inteiro

o quarto,
grande
denunciava-me
não caberia nele
o banheiro, sim
justo, companheiro

um continha
meus segredos
o outro, era ruim
revelava todos eles

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Vão Danado

Acabou a luz na Vila.
Desabou via no mundo.
Minha mão que fazia estrela
hoje se esconde no escuro.
Coração fechou com ela,
mas tem vão que passa mudo.
Um vagão que se disfarça
no buraco do escuro.
Quem ri é a Maria Fumaça
que passou sem um barulho.
Quem ri é a Maria Fumaça
que passou sem um barulho.


Agora ela fervilha
e solta fumaça em tudo.
O que faz meu coração
que não tem sequer seguro?
O que faz meu coração
que não tem sequer seguro.

Este vão não percebido
é a traição do escuro.
Que contém a minha alma
e que sabe de tu do.
Que contém a minha alma
e também meu ab surdo.

música: Fogueira do Vazio

O vazio tá cheio do escuro
intenso, doido, imenso.
Sem fundo vem do submundo
vagabundo, bandido, tenso.
Eu quero folga desse beco imundo
onde ouço o pensar de toda gente.
Eu quero folga desse beco imundo
o vazio quer meu ouvido surdo.

As palavras de ponta-cabeça
como mísseis ecoam o mundo
invadem a minha casa
e me tomam tudo.

A água do vazio fede...
: enxofre
As ruas do vazio pedem...
...sem parar
As fezes do vazio medem
o tamanho que o cheiro do mundo
pode tomar

O vazio tá cheio do escuro...
: o escuro esconde.
O vazio tá cheio do escuro...
: o escuro mente.
Ele faz picadinho da gente
e cozinha no espeto.
Ele faz picadinho da gente
e cozinha no espeto.

Na fogueira do vazio eu enxergo o outro mundo, o outro mundo...
Na fogueira do vazio eu enxergo o outro mundo, o outro mundo.
silêncio de oco
peito respingando
tempo de ausência

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

à deriva
o vento
me escolhe
O amor é sempre eterno
mesmo no inverno
quando você não vem
quando toda vida morre
e tudo na terra dorme
e mesmo depois
o amor fica guardado
ainda depois
da tempestade
depois do apego
e do deixar ir
de passada a dor da saudade
depois do tesão, da traição,
ele ainda está lá,
incorruptível
em cima da montanha
sorrindo para a chuva, para o sol,
para você.

encruzilhada

caminhos vem vindo
encruzilhada
caminhos vão indo
liberdade
a prisão
das possibilidades

terça-feira, 17 de agosto de 2010

eu só quero um
a completude
é única

Vigília

vela de vigília
martírio sem fim
pingo na vasilha

Samba: Flor-de-Mim

Eternamente apaixonada,
cheia de flores...
Eu que fui condenada
a escrever carta de amor,
trago como pena minha dor...

...se meu sangue fosse azul,
deitaria mulher e acordaria poeta.
Sendo assim tão carmim,
deito-me poeta e acordo flor-de-mim.
minha prece

me leva até

eu mesma

ventodoventre

ventodoventre vem todo ventre vem todo vem tri ventodo vvvvvvvvv entre.

música

Escutes bem
quero ficar,
mas não me olhes
com desdém.
É tão difícil de explicar,
pois tu não sabes de onde vens.
Te entreguei decepção, e sei,
por isso vou pagar...
Aqui contenho meu coração
queria só te abraçar...

Ai, como dói a decisão
sempre se perde uma porção,
e esta parte amputada
vai ser pra sempre calada
viver é desilusão.

Árvore não segue sem raiz
e definha sem o sol,
só a chuva é muito pouco
seria um suspiro rouco
preu depois me desfazer.

Pois sem ti eu sofro tanto,
não cessará o meu pranto,
mas sem mim, não posso ser.
Mas sem mim não posso ser,
mas sem mim,
não posso ser.
Plantei uma flor no meu caderno. Ela crescia pra desabrochar e voltava botão, crescia e voltava de novo. Flor plantada em caderno tem vontade prontamente satisfeita, pode nascer e viver no seu desejo. Só alcançar o vidro de água da morte e o de água da vida no armário do porão e pingar no caderno.
inverno
olhar de luz
sobre o eterno
olhar de inverno
espero eterno
verão
Espero, espero.
Olho a lua,
escura.
Aqui deste inverno,
caverna.
Olhando para o eterno,
juro.

Costuro estrelas,
brilhos em meu tecido
para amanhecer passarinho
cantando em meu ouvido.

Versos de hoje, histórias de amanhã.
bordados, estrelas.
noite agora, clareia manhã.
Se inverno, à espera do sol,
depois verão,
com todos os olhos de luz,
a verdade.
sua vida
deixou tristeza
na minha noite
chuvas, bombas
raios, pétalas
apenas quedas