sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Mesmo quando tudo deixou de ser
está lá.
Quando a gente não vê,
ainda assim.
Matou,
mas vive.
e no poço onde a água secou,
tem,
no lençol da Terra,
no fundo da gente,
até na espera.
e na dor
sobretudo
e ainda na guerra,
até depois dela.
quando há perdição
mesmo até sem perdão
no caos, no vácuo, na ermidão,
persiste a centelha.

sábado, 15 de setembro de 2012

Banho de mar

Hoje tem festa
todo mundo indo
eu, cantando estrela,
vindo.
Sem o guarda-chuva vermelho de Goeldi,
descalça.
Faz calor até.
Vou ladeando mar,
dou uma olhada de soslaio.
Olho de novo.
Ladeio.

Olho
margeando o mar
como alma sem corpo.

Paro.

Sento no banco de pau.
Boto os pés na areia friiia.
Tomo uma estrela emprestada do Céu
e entro no destino.

Minha-água-da-morte-minha-água-da-vida

Se de minha lacuna
eu voltar a minha casa,
se a serpente atenta
à integridade,
tropeço, flerto com ela,
mas não caio.

Se minhas mãos, meus pés, minha tez,
meus olhos, minha boca, meus ouvidos,
meu sexo, minha alma, meu coração,
iriam,
meu juízo, não.
Só segue com ardis mais densos.

Ludibria-me, pois, serpente
apenas se fores
estrategista suficiente.
Te desafio agora em duelo
sou guerreira, digo e repito,
não me entrego a teus mistérios.

Mas se por deslize meu me picares,
leias aqui carta póstuma:
Só em campo de batalha deitarei
e do teu veneno farei bálsamo.
Beberei em gotas homeopáticas:
água-da-morte-água-da-vida:
fel que me fere,
cura de minha ferida.

Se me trouxeres poção da morte
transmuto-a em elixir da vida.
Assim, vencerei,
mesmo que atingida,
mesmo se me fizeres ir
por onde não se vai.

Tu que conheces meu pecado,
minha morte, meu sexo,
prepara-te, pois
eu te conheço mais
esqueces?
Já bebi e comi muitas romãs
traga-me novas, estou sedenta.
Perdeste que moras em meu ventre
e que no Hades juntas nascemos da semente?

Depois, se te engoli
não há separação:
se me matas, te mato mais,
se me traz a vida, te tornas mais vivaz.
Compreende, pois, que somos unha e carne,
pão com manteiga, Eros e Psiquè,
corpo e mente numa só alma?

terça-feira, 12 de junho de 2012

a hora das coisas
é bendita
mas é muito particular.

quando acontece
ninguém acredita.
será que o tempo de ser
vai passar?

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Confidências

Um dia roçou minhas mãos,
mas escorreu
não como água,
como luz.
Porque ele tinha no semblante
a juventude fresca,
tinha que ir
e ia rápido
e iluminado.

Seu sorriso ia antes,
encantando os lugares.
Sua mente fazia conexões
dignas de um aquariano,
já seu coração,
decerto amava como um leonino.

eu,
não era fogo, nem ar.
eu,
já tinha ido.

Sentada em minha cadeira de balanço
com os cabelos escorrendo meus ombros,
os ventos sopravam às vezes,
meu ouvido sentia!
O horizonte, horas até tinha meu olhar.

Tecia a malha de lã
como alguém que já sabe
que Moira vem.

Quê de meus olhos fundos poderia doar ao andarilho
devorador de estradas margens viajantes?

Meu caminho suspenso.
Ele, tão propenso a abraçar.
Lua prateava minha alma.
Sol embraseava
peito dele.
Aquele moço alto
de volúpia nos lábios
de braços tão largos
prontos para abarcar o mundo.
De mente tão hábil
pronta para agarrar
as ideias,
pronta para escrever ideais.

Os meus,
esquecidos,
entre os óculos.
Risquei a caixinha de fósforos
para abraçar meu coração.
Minha alma já não pertencia mais,
o vento me arrepiava
naquele deserto,
naquele lugar nenhum
ele seguiu.

sábado, 12 de maio de 2012

Não me pagues por hora

Eu trabalho por empreita
Não venhas botar preço em minha hora,
pois sou inteira e única.
Até camuflada
no meio da multidão
em farrapos de guerra,
ninguém me paga por hora.
Pois lavo, passo, cozinho,
organizo, faço versos e bordo.

Bordo sonhos.
Fio por fio,
vidrilho por vidrilho.
Tem tantas ruas em minhas linhas,
quantos castelos em minhas pedras.
Tantas janelas de vidro
quantas eu possa olhar além delas,
quantas eu possa quebrar.
Tantas portas de aço
quantas eu possa abrir e passar.

Assim, não queiras comprar minha hora,
pois ela é tecida com fio de Ariadne,
e benzida com a água da vida e a água da morte.
Quem arrancou sete cabeças, sete bocarras,
sete línguas, quatorze olhos e quatorze ventas,
cospe fogo do dragão se há tormenta.
Quem foi até os confins do mundo,
roeu três biscoitos de ferro, gastou três cajados de ferro, consumiu três botas de ferro,
com Pássaro de fogo se casou.
Quem no Hades entrou e não morreu,
comungou com Plutão e transcendeu.
Não se vende.
Por isso não vendo horas,
construo ruas, casas, castelos,
cidades inteiras e histórias.
Não me pagues por hora.