segunda-feira, 20 de outubro de 2025

intimidade


dormir junto é

compartilhar
o inconsciente

sonhar sem querer
com você
é muita intimidade











sábado, 18 de outubro de 2025

Eu Danço Muito

 Sou uma bomba relógio

Transitando entre os mundos

de cima e de baixo

Cospem fogo meus olhos

Minhas palavras, armas

também em brasas

atropelam como um falo

Os fins justificam os meios?

milênios em silêncio me desajeitaram


Dos céus inventados caíram querubins

Sou sensível a tudo que passa por mim


As coisas são vivas, fia

tanto quanto as pessoas

medito em forma de pedra,

mas sou tocada até na toca

O toque é minha cadela no escuro

Meus poros choram, riem

e apreendem quase tudo


Escuto a vida

Mas tenho meus escudos

Para um mundo em que o olhar

é o deleite supremo, eu concluo

Dançar é muito absurdo


Nesta teia de ser

Me protejo ou faço futuros

Se de noite eu vivo mais ávida,

Nos sonhos ou na balada,

De dia, calada,

passados se apresentam

Vou em frente e volto

Aos sussurros, mudo tudo


Meu presente, pressinto:

é um misto deste com outro mundo


Abraços à parte, sou todos os tempos juntos

Infernos e milagres eu conjuro

Avalanches e calmarias

Sabedoria é sacar o encaixe

deste átimo de segundo

Faca na garganta ou no ventre

Rosa no coração ou axé a gente

escolhe com a intuição

Na cheia ou na vazante

essenciais


Luas e interiores

dos seus (não) quintais

Com ou sem (c) asas

vamos: viver é resixtênciAs!


Anjos e demônios nos habitam

os hábitos nos constróem

por isso escolho o trânsito

meu corpo se move

dançando no escuro

e suas metamorfoses

minha dança cospe

cru e canta puro


sou o deserto e o abismo

regras demais exconjuro

regar mais as plantas nativas

pixar mais vida nos muros


respeito minhas luas e as tuas

e por isso sigo segura

trocar de línguas e credos

ser fiel à alma é tudo


ser fiel à chama

à sombra e ao seu absurdo

vamos vestir do avesso

as costuras escancaram

o oculto


desligando os despertadores

Eu danço muito

minha alma acorda

enquanto durmo


2022


O Portal Azul

 O Portal Azul


Tranço meu cabelo azul que vem crescendo ao mesmo passo que o nevoeiro turvando minha vista. Minhas mãos sabem como desenhar meu rosto, mas minha lente já não foca mais meu ponto. Grande mentira esta que os óculos corrigem a visão. Na velhice, ela fraqueja e as lentes tentam intermediar o mundo, sem sucesso. Eu não entendi o recurso novo da IA, nem o bitcoin, não me interesso por jogar Fortnite com meus sobrinhos, mas também não desejo entender. Quero saber como o poder pode superar o amor e como meus olhos vão suportar tecer a vida com prazer. Queria reabrir os portais da paz e dizer para você mulher ir com fé que vai dar bom, mas não posso aniquilar os homens do rolê porque as navalhas ficam confiscadas na entrada dos portais da paz. 

 

Minha vó dizia que costurar com óculos era difícil, nunca acreditei. Agora que ela vai fazer 90 anos e eu quase cinquentei, relembro o passar da linha na agulha dela e seu ponto pequeno, preciso e apertado, só era certo se fosse assim bem perfeito. Ao ver os meus largos e frouxos, ela reclamava da costura ruim. Mas eu nasci numa geração frouxa como os pontos dos jeans, inacabada, capenga, não no bom sentido de bolo feito em casa (feito em casa sempre parece mais simples que o bolo confeitado da Sodiê, eu prefiro o de casa), mas eu digo, perto do significado ruim de mambembe, mal feita. Nosso tempo não dá conta, o mundo tá fast e são sempre flashs mal passados de olhares que não se demoram e estão mais turvos que os meus. O tempo que não deu conta de ser ele mesmo, pois preferiu ser onipresente e engolir a humanidade com sua fome de likes e almas vazias. É assim que o ego trava a guerra com eros e vence.


Neste reality fragmentado, o tempo não é mais passado, presente e futuro, mas sim um emaranhado, que vai e volta como cabelo na tempestade, disco riscado, vício obsessivo sem fim, o fígado de Pandora sendo comido todo dia de novo por Prometeu. Um bombardeio de interferências e informações numa teia de aranha gigante e má, nos resta pouca sabedoria e pouca demora nos pontos. A vida se tornou fast como a moda, sem hora pro chá, sem horário na agenda para chorar e a aranha boa se retirou da cidade para sempre. Resta cantar durante o caminho para o metrô um ponto de proteção. "Ele é rezador. Ele é Xapanã Ele vai me curar"


Mas hoje escuto a primeira chuva da Primavera depois de uma seca que durou meses e devastou muitas aldeias, barrigas e almas. Os loucos já não dormem nos manicômios, todos temos nossa CID e estamos soltos com nossas onças por aí. Se metade da humanidade tem Burnout, a outra metade tem TdaH. Os dirigentes, certeza: narcisistas psicopatas, Maquiavel frutificou. Eu entendo porque as viúvas-negras matam seus machos depois de acasalar, não deveríamos chamá-las de bruxas, nem condená-las por praticar magia, nem chamar a magia das trevas com um nome racista. Elas deveriam se chamar viúvas-sobreviventes. Aprenderam com sua ancestralidade a tecer uma casa segura e a matar para viver, coisa de gente que sabe fazer o ponto apertado e preciso.


Hoje teve manifestação contra a PEC da bandidagem, depois da prisão do nosso palhaço. Meus pais estavam lá, uma geração para a gente se espelhar e ter certeza que não vai conseguir fazer melhor. Fracassamos, somos a primeira geração que fez pior que os genitores, eles derrubaram a ditadura militar, nós elegemos o Bozo. Ganhamos pior, não formamos famílias, encontramos os amigos nos chats, nos meets, nos zaps. Não podemos nem pagar o aluguel, sonhar com a casa própria, coisa de gente rica. Não sobrou ar para respirar, porque tomaram nossa palavra, nossa floresta e os bois encarcerados peidam bastante por aí. Nem água limpa temos mais para beber, só clorada. Mas sim, produzimos mais alimentos que número de bocas para alimentar, apesar da gente não distribuí-los direito, temos sim muita comida ultraprocessada para comer, temos também com agrotóxicos e hormônios.  Vestimos plástico, comemos plástico, respiramos petróleo queimado, criamos a raça de humanos miscigenada ao microplástico, vejam que feito heroico. Já somos zumbis cyborgues, meio humanos, meio meta; meio petróleo, meio máquina. Mas as crianças continuam passando fome e sendo mortas na Palestina e em muitos outros lugares, isso não mudou, é um feito que acompanha toda a humanidade desde o início dos tempos. 


Prendemos nosso palhacinho de estimação, pelo menos a terra pode não ser plana por um tempo. Vetamos essa PEC, uma pausa para um café. Mas o último eclipse ainda paira sobre a minha alma como uma pedra gigante. Eu também estou louca e presa debaixo deste nevoeiro, não tenho tesoura para cortar meu cabelo, aguardo a guerra acabar sempre com um fio de esperança esmeralda de minha vó na máquina de costura. 


Chamo minha cabocla e na floresta da alma acendo uma fogueira para me esquentar. Ela me trança o cabelo e entrelaçado aos fios azuis estão as fadas, as avós e todas as mulheres que teceram destinos para eu chegar até aqui e contar esta história. Uma história vazia como meu tempo, ao menos por hora destituída de sentido e sem fins, só com meios. Afinal, a vida é o meio, o processo. Objetivos são metas racionais estabelecidas pela sociedade na tentativa de controlar a natureza do mundo. Se perder e viver o presente com liberdade é mais natural. Na floresta eu respiro melhor, as pessoas e as notícias me cansam muito. As árvores falam comigo com mais delicadeza e sabedoria. 


Não sei onde minhas tranças vão me levar, o fato é que sou mulher num mundo onde palhaços narcisistas reinam sob seus caprichos. Como diz Juliana Linhares: “eu não quero ir pra Marte, quero ir pro Ceará”. Precisei chamar por minhas ancestrais e as tranças são minha lanterna azul dentro deste nevoeiro branco. Não sei se minha visão vai retornar, não sei se ainda preciso de vestidos. Já não tenho tesão em prosseguir, parece que minha agulha é um elo perdido. Minhas tranças podem ser a chave para portais mágicos antigos. Resta enxergar a parede de portas e escolher a que abrirá o pulso do meu coração.


Não ando respirando, entalei com palavras silenciadas. Como vou desimpedir o portal se não o enxergo, tamanha é a montanha de frases na minha frente gritando tão alto? Meu ouvido dói, meus olhos falham, como vou reconhecer o portal se minha dor fala mais alto que minha boca cheia de teias de aranhas gagás?


21.09.2025